terça-feira, 18 de outubro de 2016

A meditação como neurorreligação

Meditação, no dicionário da língua portuguesa do Brasil, Michaelis,¹ quer dizer, literalmente: “1 - Ato ou efeito de meditar; reflexão. 2 - Oração mental. 3 - Contemplação religiosa. sf. pl.: Pensamentos, estudos, reflexões.”

Sua origem é muito antiga e, apesar do que se conhece hoje, ser dos egípcios as primeiras evidências, ela é associada a religiões orientais, embora a sua prática possa não ter conteúdo religioso, ou seja, seria também o pensar sem vínculo com valores religiosos.

Do latim meditare, significando "voltar-se para o centro no sentido de desligar-se do mundo exterior" e "voltar a atenção para dentro de si", na língua litúrgica páli, criada por Sidarta Gautama, o Buda, por volta do século 5 a.C., significa: "concentrar intensamente o espírito em algo".

O budismo é mais uma filosofia-religiosa do que uma religião e os budistas realmente praticam intensamente a meditação. Eles acreditam em uma relação de interdependência entre tudo no universo e, por isto, “pregam”, em um de seus princípios fundamentais, a busca de uma compaixão ou benevolência, de amor, e de comunidade com todos os seres vivos, sem ferir, ofender ou depreciar nenhum deles.

Mas no sentido prático, nesses verdadeiros “exercícios mentais”, a  meditação atua em diversas áreas do cérebro: “Estão conseguindo fazer em Harvard a união de crenças milenares do budismo com a neurociência, mostrando como a meditação altera áreas do cérebro e produz bem-estar: menos ansiedade, depressão e dores crônicas. E até menos propensão à obesidade”, relata Gilberto Dimenstein em sua crônica “Devagar se vai longe?” (Folha de S. Paulo, Cotidiano, 06/02/2011).

Você pode, sem recorrer ao budismo, meditar, pensar, se esforçar com a sua mente em fatos e aspirações positivas. Comecei este artigo falando do budismo porque ele é muito influente no mundo todo, tendo aproximadamente 400 milhões² de adeptos, sendo superado apenas pelas religiões chinesas, o hinduísmo, o islamismo e o cristianismo, que são religiões verdadeiras como estamos acostumados a saber.

Para corroborar com este texto, exibo aqui algumas conquistas realizadas nesta área no mundo todo, que foram publicadas no artigo “Meditação é o remédio”,3 da Revista Época em 2011:

- 2002: um grupo de cientistas ligado à Faculdade de Medicina de Harvard provaram que a resposta de relaxamento (RR) melhora a memória de idosos saudáveis, de forma mais efetiva quando eles realizam tarefas simples de atenção. Já os estados de ansiedade diminuem de forma marginal.

- 2003: pela primeira vez, cientistas relataram aumento do número de anticorpos em pessoas que meditaram durante oito semanas após serem vacinados contra a gripe, em relação ao grupo controle. A descoberta foi feita por um grupo liderado por Richard Davidson, da Universidade de Wisconsin.

- 2005: em dezembro, Sara Lazar, do Hospital Geral de Massachusetts, conseguiu mostrar, através de imagens de ressonância magnética, que a meditação aumenta a espessura do córtex pré-frontral cerebral – região associada ao planejamento de comportamentos cognitivos complexos. A espessura da ínsula direita – ligada às sensações corporais e às emoções – também se mostrou mais grossa em praticantes de RR em relação ao grupo de controle. Foi a primeira evidência de que a meditação está associada a alterações na estrutura do cérebro.

- 2008: estudo publicado em julho pelo BHI [Instituto Benson-Henry, do Hospital Geral de Massachusetts] mostrou, pela primeira vez, que a RR produz uma mudança no padrão de ativação dos genes – e maior ela é quanto mais tempo a meditação é praticada. O mesmo trabalho mostrou que os praticantes tiveram menos danos fisiológicos celulares ligados ao estresse do que o grupo de controle.

- 2009: a amígdala direita é responsável pela resposta automática ao estresse: produz hormônios, aumenta os batimentos cardíacos... cientistas ligados ao Hospital Geral de Massachusetts descobriram que, depois de oito semanas de prática de meditação, houve redução da densidade da massa cinzenta da amígdala dos participantes. Quanto menos relatavam estresse, maior a redução.

- 2009: pesquisadores do Centro Médico de Pesquisa Avançada em Yoga e Neurofisiologia, na Índia, descobriram que praticar meditação cíclica duas vezes ao dia melhora a qualidade objetiva e subjetiva do sono na noite seguinte. Meditação cíclica é uma técnica que combina posturas de yoga intercaladas com repouso.

- 2010: em junho, um grupo da Universidade do Estado da Flórida publicou estudo mostrando que o treinamento mental reduz significativamente o estresse e a supressão do pensamento e aumenta a recuperação fisiológica de alterações relacionadas ao alcoolismo. Dessa maneira, a meditação atinge os principais mecanismos ligados à dependência alcoólica e pode ser um tratamento alternativo para prevenir recaídas entre os mais vulneráveis.

- 2010: um grupo ligado ao BHI, liderado por Marlene Samuelson, provou que mulheres brancas submetidas a um programa de 2,5 horas semanais de práticas mente/corpo durante 12 semanas tiveram uma significativa redução na frequência de 12 queixas cotidianas, como dor de cabeça, confusão visual, tontura, náusea, prisão de ventre, diarreia, dor abdominal, dor nas costas, dor no peito, palpitações, insônia e fadiga.

- 2010: em dezembro, um grupo da Universidade de Montreal descobriu por que quem medita sente menos dor. Essas pessoas têm a capacidade de desligar algumas áreas cerebrais responsáveis pela sensação da dor, mesmo experimentando-a. Dois grupos, um de controle outro de pessoas que meditavam, fora submetidos a estímulos de dor. Os que meditavam tiveram respostas menores para a dor, bem como um funcionamento menor das áreas do cérebro responsáveis pela cognição, emoção e memória. Eles sentiam dor, mas cortavam o processo rapidamente, refreando a interpretação que o cérebro tinha desse estímulo.

- 2010: em dezembro, um grupo do Centro de Dependência e Saúde Mental (CAMH), no Canadá, publicou um estudo provando que a meditação tem o mesmo efeito protetor que os remédios contra recaídas em pessoas com depressão.

- 2010: estudo da Universidade da Pennsylvania mostrou melhora na função neuropsicológica e aumentos significativos no fluxo sanguíneo cerebral em indivíduos com perda de memória submetidos a um programa de meditação de oito semanas.

- 2011: ao passo que a meditação faz diminuir a densidade de massa cinzenta da amígdala, ela aumenta a densidade de uma região do cérebro chamada hipocampo, responsável pelo aprendizado e memória, e associada ao bem-estar, compaixão e introspecção. Foi o que descobriu um grupo do Hospital Geral de Massachussets, que publicou o estudo em janeiro na Psychiatry Research: Neuroimaging.

- 2011: pesquisadores da Universidade da Cidade de Nova York publicaram em fevereiro um trabalho que mostra a meditação pode ser útil na redução da ansiedade. Os participantes relataram que se sentiram mais calmos, relaxados, equilibrados e centrados após um mês de prática.

Mas o mais importante deste artigo, como eu já descrevi em outros dois, “Religião ou neurorreligação?” 4 e “A Psicoterapia como neurorreligação”,5 é o conjunto de mudanças funcionais e/ou estruturais ocorridas em regiões específicas do cérebro, e, consequentemente, levando às pessoas que praticam uma ou mais dessas atividades, a comportamentos mais satisfatórios com relação às suas vidas.

Em conclusão, religiões, terapias (incluindo a psicoterapia) e meditações são neurorreligações.

O ser humano passou centenas, dezenas de milhares de anos, e continua hoje,  achando que os benefícios obtidos por estas três atividades eram frutos de uma alma, de um espírito, e/ou intervenção de um ou mais entes divinos, o que a neurociência vêm descobrindo como modificações estruturais e/ou funcionais de áreas específicas do cérebro pelos esforços mentais a que são submetidas.

Foram necessários séculos de avanços da ciência e da tecnologia para se chegar a um ponto onde estas três atividades tão comuns na vida das pessoas fossem entendidas como algo material e físico.


Notas:

1 - Dicionário Michaelis. Disponível em: <www.michaelis.com.br>. Acesso em: 18-04-2017

2 - Revista SUPERINTERESSANTE - Carolina Vilaverde - 23-01-2012. Disponível em:  <http://super.abril.com.br/blogs/superlistas/as-8-maiores-religioes-do-mundo/>. Acesso em: 18-04-2017

3 - Artigo: “Meditação é o remédio” - Disponível em:

4 - “Religião ou neurorreligação?”. Disponível em: <                

5 - “A psicoterapia como neurorreligação”. Disponível em: <              http://neurorreligacao.blogspot.com.br/2016/10/a-psicoterapia-como-neurorreligacao.html >. Acesso em: 18-04-2017



Referência bibliográfica:

Wikipédia - Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Medita%C3%A7%C3%A3o >. Acesso em: 18-04-2017

Wikipédia - Disponível em:
< http://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%A1li >. Acesso em: 18-04-2017

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