sábado, 18 de novembro de 2017

A consciência muda o cérebro com a neuroplasticidade

Palavras-chave: neurociência, neuroplasticidade, consciência.  

Em meu artigo “Psicoterapias, neuroplasticidade e alterações na consciência”, (1) eu comento o fato das depressões e outros desequilíbrios emocionais modificarem a consciência. Isto é chamado de relação de baixo para cima, ou seja, do cérebro para a consciência, e também existe a relação de cima para baixo: a consciência modificando estruturas cerebrais.

Esse segundo fenômeno é muito comum no dia a dia de muitas pessoas mas não comentado como acima. Citarei um exemplo, sem a necessidade de ser completo, que faz parte da bibliografia (2) em que me baseio este artigo:

“Na sexta-feira, às 06:30 da tarde, no dia 4 de agosto de 2006, aos 66 anos, sentado na mesa, segurando a cabeça com a mão direita, I.K. de repente caiu com o rosto na mesa. Ele não conseguiu mover a perna e o braço direito, nem poderia pedir ajuda, pois sua habilidade de falar foi perdida. Mais tarde, descobriu-se que sua artéria carótida esquerda foi obliterada e parou de fornecer sangue e oxigênio à metade esquerda de seu cérebro. I.K. experimentou um acidente vascular cerebral isquêmico desastroso: em poucos minutos, quase uma quarta parte do cérebro foi destruída, com as consequências dramáticas de uma paralisia do lado direito de seu corpo (hemiplegia), perda de capacidade de falar e compreensão (afasia) e incapacidade de escrever (agraphia).

Nesta situação difícil, I.K. ainda podia ouvir os médicos ao seu redor que discutiam sua situação. Naquela época os neurologistas podiam ver que I.K. sofreu graves danos estruturais e teve pouca esperança para sua recuperação. Mas, um ano depois, tornou-se evidente que I.K. tinha experimentado uma reabilitação inesperada. Quatro anos após o incidente, I.K. já podia tocar piano com a mão esquerda, escrever livros e poemas, pintar e exibir suas pinturas ao público.

O que aconteceu? Uma explicação potencial tinha a ver com o fato de que I.K. tinha um hemisfério direito excepcionalmente desenvolvido (o hemisfério intacto), que tinha sido aprimorado por anos por tocar piano e pintar em seu tempo livre. Não há dúvida de que essas atividades têm desempenhado um papel importante em sua recuperação surpreendente. Mas há uma segunda explicação adicional. Em um de seus poemas escrito após o incidente, I.K. apresentou sua decisão de realizar uma nova forma de vida: "Quero falar palavras de sabedoria, mas sei que minha boca vai me trair quando falo… Então, o que me resta? Tenho vontade de viver, não como eu quero, mas como posso". Essa decisão foi tomada apesar dos sintomas dramáticos que incluíram dificuldades na escrita, repetição de palavras, criação de novas palavras e muito mais. Foi uma decisão consciente que representou um ato de vontade e pode ser considerada a fonte de sua surpreendente reabilitação.

Vinte e dois dias após o acidente vascular cerebral ele criou a seguinte imagem, que mostra o polegar paralisado do braço direito parcialmente coberto por figuras de cabeças e uma parte vazia. A imagem demonstra sua luta para entender seu novo estado. Dois anos depois ele pintou uma cidade em uma metade de tabuleiro de xadrez, com as casas em cima das casas (posições das peças) do  xadrez, intitulada por ele como "Tabuleiro de xadrez", imagem de sua reabilitação.

Vale a pena notar que foram as capacidades linguísticas, de comunicação e de se expressar de I.K. que se recuperaram, e, menos ainda, suas habilidades motoras. O segredo desta transformação maravilhosa foi o seu poder de vontade e firme decisão de viver da melhor maneira possível, mesmo que severamente limitado. Um envolvimento de um efeito descendente da consciência sobre a neuroplasticidade de seu cérebro pode explicar a reabilitação de I.K., ao contrário de muitos outros em seu estado.”

Os principais componentes da consciência são a intencionalidade (3), autoconsciência, subjetividade e a vontade.

Veja a última palavra… vontade… ligada à…  força de vontade, uma de nossas expressões mais fortes, mais utilizada após adversidades onde queremos melhorar em algo, na superação de problemas, para chegarmos próximos a limites, etc. E é justamente quando no cérebro a consciência, a cognição e a memória são preservados, que podemos nos esforçar em alcançar objetivos considerados quase impossíveis para muitos. I.K. decidiu por lutar por uma vida,  mesmo que  restrita, mas da melhor forma que poderia encontrar. A consciência de I.K. estava presente em todos os momentos pelos quais passou desde o momento de sua decisão… consciente.

  
Referências Bibliográficas

1  - Argos Arruda Pinto. Psicoterapias, neuroplasticidade e alterações na consciência. 2017. Disponível em: <

2 - Jean Askenasy; Joseph Lehmann. Consciousness, brain, neuroplasticity. 2013. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3706726/  >. Acesso em: 18/11/2017.

3 - Argos Arruda Pinto. A intencionalidade como um dos comportamentos mais importantes da evolução e da psicologia evolucionista. 2016. Disponível em: <

sábado, 11 de novembro de 2017

Psicoterapias, neuroplasticidade e alterações na consciência

Palavras-chave: neurociência, depressão, consciência, psicoterapia, TCC.

Neurocientistas procuram atualmente relacionar mudanças na consciência, para compreendê-la melhor, a partir dos efeitos da psicoterapia, avaliando alterações no cérebro, a neuroplasticidade. Se as psicoterapias promovem modificações na estrutura e/ou no funcionamento de áreas cerebrais, a consciência deverá ser alterada também.

A consciência, sendo um ou vários estados cerebrais ao mesmo tempo, interligados, possui uma base física na qual se assenta: o cérebro. E assim também é a mente na qual a consciência é uma “parte” dela.

Possuímos uma tendência a considerar a consciência como algo imaterial, sobrenatural e, sendo assim, algumas pessoas dizem que processos físico-químicos, ou biológicos se você preferir, não produzem algo imaterial. “Nunca vimos nada físico produzir um estado imaterial”, eles dizem. Mas as psicoterapias conseguem mexer fisicamente com o substrato neural e, consequentemente, alterando o comportamento de uma pessoa, havendo assim mudanças na consciência. Mesmo em um exemplo simples, como uma pancada na cabeça a fazer com que alguém desmaie, também houve uma alteração na consciência, um desligamento, mostrando que ondas de choque mecânicas atuaram em níveis neuronais, de impulsos nervosos, íons, influindo fortemente na consciência a ponto de desligá-la.

Em outro ponto, o cérebro imutável, estático, cedeu lugar a outro dinâmico, onde qualquer aprendizado só é possível graças à neuroplasticidade que apenas de   algumas décadas para cá foi possível se perceber graças a instrumentos eletrônicos sofisticados. PET, SPECT, iFMR são algumas siglas já conhecidas nesse campo.

A CBT (ou TCC) é uma das terapias mais poderosas nesse processo de avaliação de modificações na consciência, embora a psicoterapia psicodinâmica também produz resultados semelhantes apesar de suas abordagens diferentes. Talvez as duas funcionam pois dessa maneira porque buscam finais comuns. Mas a TCC é ainda preferida dos cientistas, mexendo  com as emoções, sentimentos, comportamentos, etc., avaliando mudanças em que, por exemplo, uma área de sintoma como da cognição, é acompanhada por mudanças em outras áreas de sintomas como comportamentos e emoções.

Assim, analisando atividades cerebrais antes e depois da TCC em depressões, verificou-se modificações em áreas do sistema límbico, o córtex pré-frontal dorsolateral e áreas cinguladas. Algo até surpreendente pois poucas áreas do cérebro se alteraram e, com isso, alteraram a consciência. Poucas áreas mas importantes. Houve  diminuição da atividade no sistema límbico, especialmente a amígdala, com o córtex pré-frontal dorsolateral tornando-se relativamente mais ativo.

A depressão produz modificações nos comportamentos dos indivíduos que vão desde uma tristeza onde sair,  tirar férias, se desprender de preocupações do dia a dia, possam levar a um melhoramento de seus sintomas, com até modificações em que eles fiquem abatidos, sem forças para o trabalho, para continuarem com suas vidas sociais, e até permanecerem literalmente prostrados em suas camas.

Aqui eu abro um parênteses para um exemplo no qual eu mesmo fui o protagonista de uma depressão profunda onde, por três anos, mais ficava em minha cama do que de pé! Mesmo com um antidepressivo, a clomipramina, eu ficava deitado o dia inteiro e só tinha energias para me levantar, pasme, por volta das seis horas da tarde. Às vezes levantava ao meio-dia e ia resolver alguns compromissos. Dormia minhas sete a oito horas comuns de sono, me alimentava, tomava banho e até saía, mas muito triste.

Então posso dizer de uma mudança de consciência a qual fui submetido. Eu não falava para o médico sobre essa situação; eu não chegava a ele e dizia que o remédio e/ou a dosagem estavam errados; e não por que não queria e sim porque minha consciência não me permitia, onde eu havia perdido grande parte dela  esquecendo da minha vida anterior, social, afetiva e de trabalho. Foi algo onde se mostra um dos lados mais nefastos da depressão: a pessoa sem consciência do que ocorre, podendo levá-la a comportamentos destrutivos.

Acabei por mudar de cidade e de médico. Foi-me receitado a fluoxetina - o prozac - e, em apenas oito dias, eu levantei da cama às sete horas da manhã, tomei um banho e saí. O que é a química cerebral…

Hoje estou muito bem e a fluoxetina possui uma ação muito bem conhecida: ela segura o chamado neurotransmissor transportador que não deixaria a serotonina realizar com eficácia as suas sinapses, levando-a de volta à membrana pré-sináptica. A famosa frase: “inibidor seletivo da recaptação da serotonina.”  


Referência Bibliográfica

Daniel Collerton. Psychotherapy and brain plasticity. 2013. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3764373/ >. Acesso em: 11-11-2017.

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

A máquina de ler pensamentos está próxima de ser construída

Palavras-chave: neurociência, fMRI, pensamento, neurônio, leitura

De onde vêm os nossos pensamentos? Como eles são? Algo está bem claro entre os cientistas: atividade elétrica dos neurônios ou impulsos nervosos se você preferir. Mas não uma atividade como em um fio metálico a carregar um celular: elétrons em número muito grande se movendo pelo fio. Aqui falamos de íons, átomos carregados eletricamente em movimento, axônios como fios, sinapses, que são uma ponte química entre um neurônio e outro. E para qualquer célula funcionar e realizar suas tarefas, faz-se necessário a presença de oxigênio na molécula de hemoglobina, com o sangue levando essas moléculas para o oxigênio sofrer uma reação de combustão com carboidratos, açúcares, e gerar energia para a célula. E o neurônio não foge a essa regra. Onde,  nas regiões cerebrais que estiverem mais ativas, são justamente aquelas com maior presença de sangue devido ao fornecimento de oxigênio.

A presença de oxigênio na hemoglobina faz com que esse pequeno conjunto se torne, na linguagem da Física, paramagnético, uma condição em que um campo magnético externo possa interagir com um pequeno campo também magnético produzido por esse conjunto.

Existe um aparelho eletrônico sofisticado para tanto, de sigla fMRI -  Imagem por Ressonância Magnética Funcional - capaz de detectar o campo magnético do sistema oxigênio-hemoglobina e, através de um scaneamento, obter dados de quais regiões cerebrais estarão funcionando com maior intensidade.

A quantidade de informações obtidas por esse tipo de scanner requer um apoio de um sistema de localização e investigação dessas informações que recebe o nome de Machine Learning, ou, em português, aprendizado de máquina. Esse aprendizado visa relacionar o próprio aprendizado humano a proporcionar a inteligência em computadores, a inteligência artificial. Um tipo de método para se trabalhar com Machine Learning é o MATLAB, um programa computacional, abreviação de MATrix LABoratory mas que para profissionais de saúde não é tão apropriada. Outro, com muito maior eficácia a decodificar informações de padrões de atividade cerebral é o MVPA, sigla de “Multi Voxel Pattern Analysis”, Análise de Padrões MultiVoxel.    

O fMRI realiza um scaneamento cerebral obtendo dados a cada dois ou três segundos com uma pessoa dentro de uma caixa cilíndrica com um poderoso eletroímã. O campo magnético gerado por esse eletroímã chega a ser 30.000 vezes maior que o campo magnético da Terra.

É informado à pessoa para pensar, por exemplo, em uma casa, enquanto o scanner trabalha. Depois em um sapato e assim por diante. O cérebro forma padrões desses objetos de análise que, no futuro, serão reconhecidos quando não for solicitado à pessoa pensar neles e ela pensar… É difícil se concentrar em uma palavra só todo o tempo e por isso outros pensamentos, objetos, são também percebidos e constituem o que se chamam de ruídos, interferências. Repetindo várias vezes o processo, os cientistas conseguem chegar nas palavras por eles ditadas.  Pronto, já temos uma “leitura de mente” mas com substantivos, ou seja, objetos concretos. Assim que se for aprimorando as “Machines Learning’s”, adjetivos, palavras comuns como pronomes, advérbios, etc., os pensamentos das pessoas serão compreendidos como frases, que é o princípio do processo da linguagem, até com detalhes como intenção, mentira, sinceridade, etc.

Talvez isso demore ainda um tempo mas já podemos vislumbrar alguma  aplicação prática de imediato.

Um delegado pergunta a um sujeito onde ele estava em certo dia e horário quando da ocorrência de um assassinato. Ele se esforça em imaginar a sala da casa dele, vendo televisão com um amigo, o seu álibi. Mas ele é o criminoso e pelo fMRI seus pensamentos vêm de áreas específicas da imaginação. Se ele por um instante se lembrar, o que realmente poderá acontecer ainda mais pelo cansaço da investigação, o rosto da vítima, o local do crime, o som do disparo da arma, etc., será denunciado pois só ele viu esses padrões vindos dos ângulos e da própria luz que entraram em seus olhos e foram processados pelo lobo occipital antes de passarem para a memória. E mesmo se ele for um super-homem, capaz de apenas imaginar a sala da casa com o amigo e a televisão, será também denunciado pois estará utilizando somente a imaginação!

Este é apenas um exemplo simples da quantidade de situações e fatos a serem analisados com pessoas nas mais diversas sociedades do mundo inteiro.

Bandidos e políticos corruptos que se cuidem!


Bibliografia

SILVA, Laura Angélica Tomáz. Ferramenta experimental para análise de padrões de atividade cerebral. 2015. Disponível em: < http://repositorio.roca.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/5629/1/PB_COADS_2015_2_03.pdf >. Acesso em: 03/11/2017.